A Jangada

JOANA
O português, que se chamava Magalhães, tinha como única actividade explorar as florestas do país. Nesse lugar, Magalhães, hospitaleiro como todos os portugueses das antigas famílias, vivia com a filha Yaquita que, depois da morte da mãe, assumira a direção da casa. Magalhães era um bom trabalhador, resistente ao cansaço, mas, embora se mostrasse apto a dirigir os poucos escravos que possuía e uma dúzia de índios cujos serviços alugava, mostrava-se menos capaz para as diversas operações do seu comércio externo. Foi nessas circunstâncias que Joam Garral, então com vinte e dois anos, se encontrou, um dia de 1826, semimorto de fome e de cansaço, diante de Magalhães. Tinha um bom coração, o português. Não perguntou ao desconhecido de onde ele vinha, e sim do que precisava.

ARACI
Tinha um bom coração mas explorava os índios… e tinha escravos!

JOANA (OFF)
Os primeiros trabalhos deviam começar sem demora… Tratava-se de abater meia milha quadrada de floresta e de transformar em jangada as árvores de muitos séculos que jaziam no chão, e enchê- la com tudo o que faz parte de uma família de fazendeiros, patrões e criados, suas casas, suas malocas, suas cabanas.

JOANA (OFF) 
A jangada, mandada construir por Joam Garral e cujo missão era levar a filha Minha e Manoel a casar em Belém, não demorou a se firmar na corrente entre as inúmeras e pitorescas ilhas… era curioso de se ver.
Com os olhos a fecharem-se, deixa-se adormecer.

42  EXT. DIA. SONHO DE JOANA. JANGADA 1852. VARANDA * As cenas de sonho de Joana são reconstituídas a partir do livro de Jules Verne e representadas em décors e ambientes oníricos, com guarda-roupa da época. A cena passa-se em 1852, na varanda de uma casa construída sobre uma jangada no rio Amazonas.

JOANA (VOZ OFF) “Na jangada, ao longe, atrás dos arbustos gigantes, ocultavam-se as cabanas dos negros e as malocas dos índios. Da margem do rio, só se via a casa envolvida pela floresta. Ali, os animais abundavam”.
Joana, feliz, entra em campo.
JOANA Estou tão feliz por sentir todo o mundo feliz à minha volta! Joana olha para trás para Araci e Xavier que a seguem.
JOANA (para Araci) E então, avó, conhece uma maneira mais agradável de se viajar?
ARACI Não, minha querida. Na verdade, isso é viajar com a própria casa!
XAVIER E sem nenhum cansaço. Poderíamos viajar assim centenas de milhas!
JOANA O nosso grande rio é realmente belo! (voltando-se para Xavier) Por isso o senhor não se vai arrepender de viajar na nossa companhia… Não lhe parece que embarcámos numa ilha?
Xavier tenta imaginar a ilha flutuante.
JOANA Só que… essa ilha, senhor, fomos nós que construímos com nossas mãos! Tenho o direito de me orgulhar dela!
XAVIER Tem, e eu a absolvo do sentimento de orgulho. Aliás, não me permitiria repreendê-la diante da sua avó!
JOANA Ao contrário! É preciso ensinar a avó a censurar-me quando eu merecer! Ela é indulgente demais com a minha pessoa, que tem lá os seus defeitos.
Joana sai de campo deixando ver a paisagem em movimento.
JOANA (Lê em voz alta) Benito e Minha, netos do velho português, deviam ser dignos do avô. A menina tornou-se encantadora. Nunca saiu da fazenda. Criada naquele ambiente puro e saudável, no meio da bela natureza das regiões tropicais, a educação dada pela mãe, a instrução recebida do pai eram-lhe suficientes. O que teria para aprender a mais num convento de Manaus ou de Belém? Onde encontraria melhores exemplos de todas as virtudes pessoais?”